“A Mulher Marginalizada” reestreia em versão restaurada


Curta-metragem de 1989 é recuperado e apresentado em sessão gratuita junto ao inédito “Cartas para o meu pai”, de Rosa Espinheira

No dia 26 de janeiro (quarta-feira), às 20h, o Cine Metha – Glauber Rocha recebe a estreia da versão restaurada do clássico documentário “A Mulher Marginalizada” (1989), do cineasta baiano Tuna Espinheira (1943-2015), exibido junto com o inédito “Cartas para o meu pai” (2022), dirigido por sua filha, Rosa Espinheira. A sessão conjunta será gratuita, com 100 ingressos distribuídos no local a partir das 17h, e conclui o projeto “O Cinema de Tuna”, idealizado pela própria Rosa e por Yara Espinheira – grande parceira de vida e profissão do artista.

Nascido José Antonio D’Andrea Espinheira, em Salvador, Tuna tem seu trabalho marcado por pesquisas históricas aprofundadas e elaborado recurso de roteiro. Temas da cultura da Bahia e do Brasil surgem em uma produção majoritariamente documental, que frequentemente partiu de personagens icônicos – como Cosme de Farias, Batatinha, Vivaldo Conceição, Heráclito Sobral Pinto, Bel Borba e Leonel Mattos – para revelar contextos sociais de seu tempo, ainda que seus discursos enquanto cineasta sejam substancialmente atemporais. Também são pautados acontecimentos e movimentos culturais, como o carnaval de Salvador, em “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” (1972), o candomblé, em “Bahia de todos os Exus” (1978), e a festa da independência da Bahia, em “Viva o 2 de julho” (1997). Seu único longa de ficção, “Cascalho” (2004), foi baseado em romance homônimo de Herberto Salles.

Outro importante disparo de seus roteiros são os estudos etnográficos, como em “Comunidade do Maciel – há uma gota de sangue em cada poema” (1973), sobre a comunidade do título, instalada no Pelourinho, e “A Mulher Marginalizada” (1989), sobre prostitutas da cidade de Juazeiro, interior da Bahia, na década de 1980. Foi esta última a obra escolhida para passar por uma meticulosa restauração digital, feita pela Cinecolor Brasil, com direção artística de Yara Espinheira, consultoria de Rosa Espinheira, pesquisa de Daniela Duarte, coordenação geral e direção de produção de Sabrina Fiuza e produção de Gabriela Rocha.

Com 30 minutos de duração, “A Mulher Marginalizada” se propõe a uma breve, porém profunda, análise dos motivos e caminhos que levam mulheres até esta antiga e estigmatizada profissão, a prostituição, além de sinalizar um conjunto de dificuldades por elas enfrentadas. Afastando-se de uma visão romantizada ou estigmatizada destas mulheres, elas são retratadas de forma desvelada, humana e pessoal, a partir de suas próprias histórias. Um recorte de tempos passados, mas rigorosamente atual, com a sensibilidade característica de Tuna, que contextualiza raízes do machismo e da misoginia, produzindo reflexões sobre o lugar da mulher na sociedade, sobre seus corpos, desejos e lutas, com abordagem das profundas condições de exclusão que ainda insistem em se reproduzir.

O filme levou dois anos para ser concluído e, inicialmente, a equipe precisou realizar um trabalho sensível de aproximação às mulheres e suas realidades. Tuna também já sabia, há mais de 30 anos, que, ao dirigir um filme cujo foco é história de mulheres, deveria garantir representatividade. Para tanto, a equipe contou com a importante participação feminina de Yara Espinheira, que assina com ele argumento e pesquisa, além de ter sido assistente de direção e produtora executiva, construindo este canal de comunicação, atuando como interlocutora das personagens, realizando as entrevistas e acolhendo os relatos de profunda intimidade, de mulher para mulher. Para a narração, a voz é também feminina, com a grande atriz baiana Nilda Spencer (1923-2008).

A espinha dorsal do curta-metragem é o trabalho realizado pela Igreja Católica, através da Pastoral da Mulher Marginalizada, em Juazeiro, sob a coordenação do Bispo Dom José Rodrigues, conhecido como o bispo dos excluídos, que faleceu em 2012. A instituição, comprometida com comunidades carentes de diversas categorias, protegia mulheres prostitutas da cidade e lhes orientava sobre os seus direitos, incluindo o direito à maternidade, já que garantia os cuidados às crianças inclusive no momento em que suas mães cumpriam suas atividades. Das mãos deste Bispo, também se celebrou o batismo dos seus filhos e filhas. Tuna entendia que a atuação da igreja de forma nenhuma buscava a conversão religiosa destas mulheres, mas se tratava de um reconhecimento de suas humanidades, fato que conheceu durante a filmagem de “Seca Verde” (1985), que aborda a condição de vida no sertão, e que decidiu então também transformar em filme.

“A Mulher Marginalizada” é uma produção original da Maria Rosa Produções Cinematográficas, com roteiro, direção e texto de Tuna Espinheira, argumento e pesquisa de Tuna e Yara Espinheira, que também faz produção executiva e assistência de direção, direção de produção de Chico Drumond, fotografia de Vitor Diniz, assistentes de fotografia Celson Campinho e Edison Santos, som direto de Timo Andrade, narração de Nilda Spencer, letreiros e cartaz de Lígia Aguiar e montagem de Márcio Curi e Tuna Espinheira. Contou com o apoio cultural da Misereor/Alemanha, da Diocese de Juazeiro e da Fundação Cultural do Estado da Bahia e foi lançado em Salvador, em 7 de dezembro de 1989, no espaço cultural FAZARTE. Foi exibido em festivais no Brasil e em outros países. Recebeu o prêmio de Melhor Direção e Melhor Filme no VI Rio Cine Festival e o Troféu do Ofício Católico Internacional de Cinema (OCIC).

O projeto “O Cinema de Tuna” é realizado pela Giro Planejamento Cultural e foi contemplado pelo Edital Setorial de Audiovisual 2019, tendo apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Fundação Cultural do Estado da Bahia e Secretaria de Cultura da Bahia.

CARTAS PARA O MEU PAI – Como parte do projeto “O Cinema de Tuna”, Rosa Espinheira, filha de Tuna e Yara, realiza um filme-afeto com a paixão de filha e com o reconhecimento do valor da obra da qual é herdeira. Reafirmando a importância desta memória, ela reúne em “Cartas para o meu pai” depoimentos de amigos, familiares e parceiros que conviveram, na vida e no cinema, com Tuna Espinheira, desvendando sua biografia e sua arte. Além das próprias Rosa e Yara, participam o músico Aderbal Duarte, o diretor de fotografia Antônio Luiz Mendes, o artista plástico Bel Borba, o advogado Carlos Marighella, o cineasta Henrique Dantas, o arquiteto Iesu “Biu”, o ator Índio, o ator Jorge Coutinho, o pedagogo José Eduardo, o artista plástico Leonel Mattos, o ator Lúcio Tranchesi, o jornalista Mario Espinheira, o ator e fotógrafo Olneysinho, o escritor e poeta Paulo Martins “Messiê”, a profissional da saúde Pilar São Paulo, o cineasta Roque Araújo e o poeta Ruy Espinheira.

 

SITE NO AR – Em mais de 40 anos de carreira, Tuna Espinheira deixou ao Brasil dezenas de filmes que compõem uma obra característica, patrimônio cuja história foi mapeada, resgatada e unificada pelo projeto “O Cinema de Tuna” em um site, no ar em www.cinemadetuna.com.br, democratizando o acesso a um importante acervo do audiovisual da Bahia. Seus filmes são descritos, com direito a todas as especificidades técnicas e com cinco obras disponíveis na íntegra e gratuitamente online: “Major Cosme de Farias – Último Deus da Mitologia Baiana” (1971), “Comunidade do Maciel – Há uma gota de sangue em cada poema” (1973), “Cajaíba… Lição de coisas… O fazendeiro do ar” (1976), “O Bruxo Bel Borba” (2001) e “Leonel Mattos em vinte e quatro quadros por segundo” (2009). A pesquisadora Daniela Duarte também constrói uma linha do tempo que biografa a vida pessoal e profissional de Tuna, um capricorniano carinhoso, bem-humorado, realizador e cumpridor de compromissos, que teria feito 78 anos em 26 de dezembro.

 

SERVIÇO

 

“A MULHER MARGINALIZADA”, de Tuna Espinheira

Brasil, 1989. Versão restaurada. Curta-metragem. Documentário. 30 min. Classificação: Livre.

Sinopse: O filme aborda a condição das profissionais do sexo na cidade de Juazeiro na década de 1980. Depoimentos, entrevistas, o cotidiano do naquele período chamado meretrício, além do trabalho realizado pela Pastoral da Mulher Marginalizada, desenvolvido pela ala progressista da Igreja Católica.

 

“CARTAS PARA O MEU PAI”, de Rosa Espinheira

Brasil, 2022. Curta-metragem. Documentário. 22 min. Classificação: Livre.

Sinopse: O filme-afeto reúne entrevistas com amigos, familiares e parceiros do cinema de Tuna Espinheira, que relatam a experiência de ter trabalhado, conhecido e experimentado a proximidade com o cineasta. Da sua infância ao cinema, consagra o sentimento de “Pra sempre, Tuna Espinheira”.

Exibição conjunta

Quando: 26 de janeiro de 2021 (quarta-feira), 20h

Onde: Cine Metha – Glauber Rocha (Praça Castro Alves, s/n – Salvador, Bahia)

Quanto: Gratuito (lotação de 100 lugares – ingressos distribuídos a partir das 17h no local)

Siga: www.instagram.com/cinemadetuna

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