O Laboratório de Experimentações Cênicas do Museu de Arte da Bahia será ocupado, de 9 de agosto a 8 de setembro, pelo projeto Djeli – estratégias de arte e magia, que abrange duas obras cênicas-rituais interligadas: o solo Abiã e o ato performático Assentamento, sendo que, a primeira obra será apresentada as sextas-feiras e a segunda aos sábados e domingos, ambos às 19h. Os ingressos já estão sendo vendidos no site SYMPLA.
Sob a provocação e orientação cênica de Diego Mavamba – que protagoniza Abiã e em 2019 completa 15 anos de carreira, o projeto Djeli desenterra os mitos que “nos prendem a um sistema em cárcere”. “Em Abiã e Assentamento, tentamos desvendar os traumas do corpo negro através de uma linha atemporal, por entre os discurso dos nossos mitos pessoais. Em meio às narrativas cotidianas, devoramos as culpas cristãs para daí surgir um novo ego desprogramado. Não estamos falando de ficção e sim de narrativas do inconsciente/consciente”, conceitua Mavamba.
As pesquisas que levaram às obras é de uma tradição muito antiga, “que não pode ser datada”, associada aos primórdios da cultura dos povos que falam línguas mandês (Guiné, Gana, Libéria, Costa do Marfim e outros). Nessas sociedades, os historiadores orais – os djeli ou griots/griô – trabalham com a palavra, a música e o canto, são vistos como transformadores tanto do invisível quanto do concreto, capazes de transformarem às emoções das pessoas e gerarem nestas bem-estar físico e nobre postura corporal e fisionômica.
O djeli ou a djeli-muso (mulher djeli) são educados como oradores e especialistas do conhecimento da história. “Para o resgate dessa linhagem, num período tão importante da história mundial ou do que fizeram dela trazemos dois espetáculos sobre jornada e cura, sobre o entre, sobre diversidade”, pontua Mavamba.
Jornada
Assentamento é um território político, são as demarcações de terras indígenas é o quilombo, o movimento sem terra, é quando se assenta o ori, o equilíbrio, a equidade. Apresentado aos sábados e domingos, este ato performático resgata e ressignifica em suas instalações a ideia de negritude.
São quatro performers – Gilberto Reys, Frutífera Ilha, Hiago Ruan e Jamile Dionísia – em processo de reconstrução dos seus jovens territórios-corpos, dançando os labirintos de uma cabeça negra e todas as questões fundamentais de sua existência.
“Neste ato performático, as ‘micro’ potências pessoais são uma espécie de incorporamento e irradiação do reflexo e do reconhecimento. Assentamento é um sentimento, a filosofia de um corpo em constante diáspora”, explica Mavamba, que utilizou textos autorais, do artista Heron Sena, da escritora Rosana Paulino e os conceitos dos pesquisadores baianos Laís Machado e Diego Pinheiro como pretextos para que os performers dancem os labirintos de suas cabeças afrodiaspóricas e todas as questões fundamentais de suas existências.
Gilberto, Frutífera, Hiago e Jamile são corpos que remodelam a partir do primitivo, do barro. Corpos mutilados se reconstruindo, erguendo alguns Ilês. A performer Jamile Dionísia traz em seu corpo às mulheres/mães primitivas e com elas o barro, matéria prima que dá vida às nossas cabeças (representadas nos itans de Ajalá – Oxalá). Barro que transmuta o corpo apocalíptico e diaspórico proposto por Frutífera Ilha, corpo incompreendido e violentado pelo patriarcado e misoginia, que é ressignificando através de utopia afropunk, afrofuturista e Drag queen.
Gilberto Reys traz o arquétipo do homem e a hipermasculinidade tóxica, o malandro, o pai ausente. Mas, também, o caboclo, o índio ou Anhanguera, figura que para o homem colonial representa libertinagem. Anhanguera espelha Exu. Exu está com Anhanguera. Hiago Ruan é o corpo “bixa”, bailarino, marcado pelos movimentos de contracultura pós-1950. A “bixa” que traz uma nova identidade ao masculino. É um corpo hibrido. É a serpente que se desdobra em sua dança e seu legado de realeza.
ABIÃ
Nesta jornada em busca da reconstrução das histórias dos corpos negros, o solo ABIÃ – NGÀBYÍ YÌÁN, O FETO SAGRADO com o performer Diego Mavamba, que estará em cartaz todas as sextas-feiras, às 19h, anuncia a chegada de um filho sagrado à terra. O solo é um espetáculo-oficina em que há uma interação entre performer e espectador, numa intersecção do rito de Diego Mavamba e seus processos iniciáticos, revelando o sagrado presente nos corpos daqueles que vivenciarão a experiência cênica-ritual.
Ao trazer o Sol como símbolo-guia da obra, Abiã traz uma relação entre arte e xamanismo, como as antigas artes africanas e dos povos originários do Brasil. “O solo é uma epopeia diaspórica na busca de fragmentar a ideia de arte x ciência x espiritualidade e traz os dispositivos primitivos da contação de histórias dos Djeli/Griô e da Dança”, explica Diego Mavamba.
O multiartista, que debuta em 2019, traz ao solo as reverberações de poéticas que compõem sua trajetória de performer, tais como, os alárìnjó – artistas que cantam e dançam enquanto caminham (QUASEILHAS – Plataforma ÀRÀKÁ) – e as quimbandas – entidades negras andróginas da recente história medieval da Bahia (AFRONTE – AKULOBEE – Thiago Romero).
Muitos adeptos do Candomblé pouco sabem a real origem da palavra Abiã, seu significado e sua importância, pois ela é maior que um título que se recebe nas religiões de matriz africana. Abiã é o elo de ligação entre o ventre sagrado de Yiá Òrí e a Ancestralidade. De acordo com o Babalorixá Oríoxê, quando a palavra Abiã – junção de Ngàbyí = abençoado/iluminado e Yìán = o escolhido – era pronunciada pelos Nùpés todos faziam reverência, era anunciada a chegada de mais um filho sagrado à Terra.
Música performance
Neste caminhar em busca da ressignificação dos corpos negros, o diretor musical Filipe Mimoso – do estúdio criativo GANA – propõe a musicalidade como fio condutor e preenchimento dos discursos e das performances. “Como as obras têm pouquíssimos textos, a música assume um lugar de atmosfera narrativa, transmitindo e potencializando as mensagens trazidas a cena. É uma música que acompanha os processos de transmutação desses cinco artistas no solo Abiã e no ato Assentamento”.
Por fim, para emanar cura, esses espetáculos celebram o orí, afim de espantar as mazelas que atormentam a sanidade negra e a música conduz e se deixa ser conduzida pelos corpos. “É um corpo que se movimenta também”, finaliza Mimoso.
GANA
A artista visual Mayara Ferrão, do estúdio criativo GANA – que também é um selo musical, também compõe a equipe de DJeli e propõe um design de fotografia e mapping em Transe da Memória, fundindo digital e analógico, propondo um ruído geográfico entre América latina e África.
A GANA surge das possibilidades de se conectar, trocar, experimentar e somar com outrxs artistas que não possuem uma estrutura técnica adequada e sem dinheiro algum pra investir e desenvolver suas carreiras. O disco Nada de Novo Sob o Sol, de Trevo, ou a Demotape, do coletivo Underismo, são umas das recentes contribuições para o cenário da Arte Negra Contemporânea.
Serviço
O Quê? ABIÃ – NGÀBYÍ YÌÁN, O FETO SAGRADO
Quando: 09, 16, 23, 30 de agosto, e 06 de setembro, às 19h
Onde: Laboratório de Experimentação Estética do Museu de Arte da Bahia – Av. Sete de Setembro, 2340 – Corredor da Vitória
Ingresso: R$20 (inteira) e R$10 (meia) – ingressos antecipados no https://www.sympla.com.br/djeli-abian—09082019__587657
SERVIÇO
O Quê? Assentamento
Quando: 10, 11, 17, 18, 24, 25 e 31 de agosto; 01, 07 e 08 de setembro, às 19h
Onde: Laboratório de Experimentação Estética do Museu de Arte da Bahia – Av. Sete de Setembro, 2340 – Corredor da Vitória
Ingresso: R$20 (inteira) e R$10 (meia) – ingressos antecipados no https://www.sympla.com.br/djeli-assentamento—10082019__585913
Ficha técnica
Direção geral – Diego Mavamba
Direção Musical e Músico – Filipe Mimoso
Direção de Arte gráficas e adereços – Mayara Ferrão
Dramaturgia colaborativa
Direção de Produção – Jamile Dionísia e Gilberto Reys
Figurino e Cenário – Diego Mavamba
Djeli / performers – Jamile Dionisia, Frutífera Ilha, Hiago Ruan e Gilberto Reys
Assessoria de imprensa e produção executiva – Rafael Brito
Iluminação – Nando Zâmbia
Técnico de luz e som – Trevo
Provocação corporal – Bernardo Oliveira e Hiago Ruan
Costura – Ah Teodoro e Jeiseke de Lundu